A terra Vermelha de sangue Kaiowá Guarani*

"O índio não tem direito a nada. Tem justiça para os grandes empresários, para ele tem juiz, deputado, senador. Para os índios, pobres e negros não. Espero que o filme faça com que vocês ergam a cabeça e que ollhem para o país" (Ambrósio Vilhalva - Kaiowá Guarani, em Veneza, Itália)

Vai levantando a poeira vermelha. Acabamos de passar por um grande movimento em meio ao deserto verde da cana. Como cogumelos gigantes, as estruturas de ferro e aço vão se erguendo na paisagem monótona, onde a gente tem que aprender a linguagem da soja, do boi e da cana, para qualquer eventualidade.

Seguimos nosso destino silencioso. Ficamos no estreito caminho da aldeia Guiraroká. De longe, na planície, se vê alguns ranchos, e uma casa um pouco maior. Anastácio, Kaiowá que nos orientava, foi nos guiando até lá. Chegando ao pátio, algumas mulheres e jovens ali estavam entretidos com o terere. Um pequeno gerador estava ligado para carregar um celular. Anastácio foi perguntando pelo Ambrósio. Acabou de ir para Veneza, respondeu a mulher de meia idade. Inicialmente, pensei que se tratava de algum vilarejo próximo. Depois, caiu a ficha. Ele acabara de sair para a Itália, para o lançamento do filme em Veneza. Após breve conversa, em que a filha de Ambrósio falou do problema de crianças que ficaram doentes pelos venenos que os senhores do agronegócio passaram nas proximidades, nos despedimos, seguindo para Dourados.

Hoje vejo, feliz, as notícias sobre o lançamento do filme "A terra dos homens vermelhos". Os comentários dão conta de que o filme é um dos grandes favoritos a ganhar o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza. Que bom! Na verdade, a história é inspirada na volta a um tekoha, terra tradicional, hoje tomado pela soja. Na verdade, a história é inspirada na lua de Guiraroká. Ambrosio é um dos inspiradores do filme. Registraram que na coletiva de imprensa "para a apresentação do filme, todos caíram em lágrimas e a sala Perla, onde estava acontecendo o evento, ficou lotada durante toda a exibição".(capitalnews 1/09/08).

Eliene Juca da Silva, Kaiowá Guarani, foi responsável pelo melhor momento, "falou de forma contundente e emocionada sobre a situação do índio brasileiro - e sensibilizou a tosos - ‘Eu me sinto muito triste porque nossas lideranças morrem, morrem muitas crianças desnutridas. A gente quer ter oportunidade para nossos jovens, que são iguais a vocês. A gente tem pensamento, cultura, raça, língua... A gente não tem mais espaço para rezar, a gente mora num lugar muito pequeno; os fazendeiros pensam que a gente é invasor, e a gente não é. A gente só quer um pedacinho para plantar" (capitalnews1/09/08).

Enquanto isso, cá no Mato Grosso do Sul, continua uma inflamada campanha do agronegócio, indústria, políticos buscando impedir a demarcação das terras Kaiowá Guarani. Nos últimos dias a Federação das Industrias do Mato Grosso do Sul, tem liderado a ofensiva antiindígena com o discurso de que estão ameaçados os investimentos de 12 bilhões de reais, por causa do processo de identificação das terras indígenas. Parece que gostaram do número doze. Pois foram 12 milhões de hectares alardeados que iriam requerer os indígenas. Desta vez a FIEMS entrou com ação na justiça para sustar o processo de identificação.

Quiçá o filme "A terra dos homens vermelhos" ganhe o festival em Veneza e venha a sensibilizar mais e mais gente pelo mundo afora, sobre a dramática luta dos Kaiowá Guarani pelas suas terras e vida. O Mato Grosso do Sul, em suas terras vermelhas, outrora cobertas de exuberante mata Atlântica e hoje com um dos menores índices de mata, chegando em regiões a menos de2%, precisa urgentemente rever a fúria de um progresso devastador, que apenas concentra a terra e o capital em mãos de cada vez menos gente, e ultimamente nas mãos de grandes grupos multinacionais. Só existe desenvolvimento se existir justiça. E só existe justiça se forem reconhecidos os direitos dos povos indígenas, dos quilombolas, dos sem terra, dos jogados à beira da estrada e da vida.

O filme, quando estava sendo gravado em Dourados, foi repentinamente interrompido pela passagem no local dos integrantes da Comissão da Câmara dos Deputados, que investigou a morte de crianças Kaiowá Guarani, por desnutrição. Na ocasião, o diretor do filme ficou aborrecido pelo incidente, dizendo que os custos de produção eram altíssimos. Que agora os benefícios do grito pelos direitos indígenas sejam ainda mais altos.

Que a terra vermelha regada com o sangue de dezenas lideranças e milhares de vidas Kaiowá Guarani possa renascer e florescer em nova primavera!

Fonte: Egon Dionísio Heck* - ADITAL - www.adital.org.br

Imagem: http://brasil.indymedia.org/images/2007/01/370744.jpg

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