Apoteose do ‘lulismo’ reforçou consenso conservador nas últimas eleições*
Todo processo eleitoral, mesmo quando corre no leito estreito de uma democracia formal e amplamente submetida ao tacão do poder econômico, é cenário de múltiplas revelações. A roda viva da disputa intensifica o tempo da política e entremostra, mesmo no teatro de sombras de uma eleição morna, o grau de servidão e a grandeza potencial da cidadania que, em tese, tem a primazia de, na eleição, definir rumos e interferir na constituição do poder público. Infelizmente, na disputa eleitoral em curso, o cidadão não foi o soberano da política.
Assim como na eleição do "Cruzado", nos tempos do Sarney, e do "Real", nos tempos do Fernando Henrique, uma marca escarlate projetará na história o pleito municipal de 2008: a apoteose do "lulismo". Como o próprio nome indica, apoteose é ponto culminante de um processo amplo, do qual a popularidade alcançada pelo presidente no curso da campanha é apenas a feição mais visível.
Complexo e contraditório, o "lulismo" é apenas um invólucro político. Uma forma maleável no interior da qual se articula o mais poderoso consenso conservador já produzido na história do Brasil. No vértice da pirâmide social, os donos do poder, contemplados por uma política econômica que lhes enche as burras, funcionam como solistas do coral dos contentes. Na base, a multidão dos desvalidos, abrigados nos currais compensatórios das políticas sociais focadas, compõe um conformado e silencioso fundo de palco. Nos setores intermediários, a "peleguização" de movimentos sociais antes combativos completa o quadro de despolitização, desmobilização e conformismo.
Neste quadro, a conjuntura da eleição esteve marcada pela revitalização de um padrão recorrente no processo social brasileiro. Um padrão segundo o qual a política é uma emanação do Estado e não se concebe o seu exercício eficaz senão a partir da máquina estatal. "Estadania", "cidadania regulada", "leviatãs benevolentes" são alguns dos conceitos elaborados a partir da observação ao longo do tempo das práticas da velha política. Práticas agora renovadas pelo consenso conservador que se articula sob a égide do "lulismo".
O clima da campanha foi definido pelo amálgama dos interesses dominantes. Coligações disparatadas, ajuntamentos nada programáticos, cartas embaralhadas, espaços abertos para a supremacia absoluta da pequena política. Não por acaso, essa foi a eleição do continuísmo. A maioria esmagadora dos prefeitos candidatos à reeleição, qualquer que fosse o seu partido, foi reconduzida. O uso desbragado da máquina pública e o abuso do poder econômico foram as marcas mais fortes do processo. O presidente sapateia nos palanques do PAC, os governadores e os prefeitos das cidades grandes, médias ou nos grotões seguem-lhe o exemplo. O financiamento privado, fator incontrolável de corrupção, garantiu grana grossa para os partidos da ordem. Os pontos fortes do poder econômico e os meios de comunicação de massas, sempre afinados com o ideário dominante, alimentaram e abriram espaços para as máquinas eleitorais acoitadas nas máquinas dos diferentes níveis de governo.
O processo ainda está em curso, mas as disputas que restam para o segundo turno não se destinam a alterar o sentido político da eleição. Até o que aparece como surpresa, o caso do Rio e de Belo Horizonte, não opera no sentido da contestação ao conservadorismo. Pelo contrário, são estilos até mais agressivos de conformismo ativo com a lógica dominante. A apoteose do "lulismo" como garante do consenso conservador foi a marca forte desta eleição. E apoteose, no caso, como nos desfiles das escolas de samba, é a véspera da dispersão. Um conceito assemelhado ao de florescimento na botânica: ponto a partir do qual toda a evolução posterior assuma a forma inevitável da decadência.
A projeção do resultado atual sobre a disputa de 2010 é uma incógnita absoluta. Depende de variáveis que ninguém controla. A crise mundial do neoliberalismo deve produzir abalos no consenso conservador e na dinâmica dos conflitos sociais. O futuro é incerto, será definido na vertigem da luta política. No entanto, qualquer que seja o rumo do desmoronamento, a eleição municipal de 2008 ficará gravada pelo consenso conservador que abriu espaços para o massacre das máquinas.
Assim como na eleição do "Cruzado", nos tempos do Sarney, e do "Real", nos tempos do Fernando Henrique, uma marca escarlate projetará na história o pleito municipal de 2008: a apoteose do "lulismo". Como o próprio nome indica, apoteose é ponto culminante de um processo amplo, do qual a popularidade alcançada pelo presidente no curso da campanha é apenas a feição mais visível.
Complexo e contraditório, o "lulismo" é apenas um invólucro político. Uma forma maleável no interior da qual se articula o mais poderoso consenso conservador já produzido na história do Brasil. No vértice da pirâmide social, os donos do poder, contemplados por uma política econômica que lhes enche as burras, funcionam como solistas do coral dos contentes. Na base, a multidão dos desvalidos, abrigados nos currais compensatórios das políticas sociais focadas, compõe um conformado e silencioso fundo de palco. Nos setores intermediários, a "peleguização" de movimentos sociais antes combativos completa o quadro de despolitização, desmobilização e conformismo.
Neste quadro, a conjuntura da eleição esteve marcada pela revitalização de um padrão recorrente no processo social brasileiro. Um padrão segundo o qual a política é uma emanação do Estado e não se concebe o seu exercício eficaz senão a partir da máquina estatal. "Estadania", "cidadania regulada", "leviatãs benevolentes" são alguns dos conceitos elaborados a partir da observação ao longo do tempo das práticas da velha política. Práticas agora renovadas pelo consenso conservador que se articula sob a égide do "lulismo".
O clima da campanha foi definido pelo amálgama dos interesses dominantes. Coligações disparatadas, ajuntamentos nada programáticos, cartas embaralhadas, espaços abertos para a supremacia absoluta da pequena política. Não por acaso, essa foi a eleição do continuísmo. A maioria esmagadora dos prefeitos candidatos à reeleição, qualquer que fosse o seu partido, foi reconduzida. O uso desbragado da máquina pública e o abuso do poder econômico foram as marcas mais fortes do processo. O presidente sapateia nos palanques do PAC, os governadores e os prefeitos das cidades grandes, médias ou nos grotões seguem-lhe o exemplo. O financiamento privado, fator incontrolável de corrupção, garantiu grana grossa para os partidos da ordem. Os pontos fortes do poder econômico e os meios de comunicação de massas, sempre afinados com o ideário dominante, alimentaram e abriram espaços para as máquinas eleitorais acoitadas nas máquinas dos diferentes níveis de governo.
O processo ainda está em curso, mas as disputas que restam para o segundo turno não se destinam a alterar o sentido político da eleição. Até o que aparece como surpresa, o caso do Rio e de Belo Horizonte, não opera no sentido da contestação ao conservadorismo. Pelo contrário, são estilos até mais agressivos de conformismo ativo com a lógica dominante. A apoteose do "lulismo" como garante do consenso conservador foi a marca forte desta eleição. E apoteose, no caso, como nos desfiles das escolas de samba, é a véspera da dispersão. Um conceito assemelhado ao de florescimento na botânica: ponto a partir do qual toda a evolução posterior assuma a forma inevitável da decadência.
A projeção do resultado atual sobre a disputa de 2010 é uma incógnita absoluta. Depende de variáveis que ninguém controla. A crise mundial do neoliberalismo deve produzir abalos no consenso conservador e na dinâmica dos conflitos sociais. O futuro é incerto, será definido na vertigem da luta política. No entanto, qualquer que seja o rumo do desmoronamento, a eleição municipal de 2008 ficará gravada pelo consenso conservador que abriu espaços para o massacre das máquinas.
Autor Léo Lince* é sociólogo.
CORREIO DA CIDADANIA - www.correiocidadania.com.br
Comentários