O mundo está em risco grave de um colapso financeiro sistémico global e de uma severa depressão global*


O sistema financeiro dos EUA e das economias avançadas caminha agora para um colapso financeiro sistémico a curto prazo quando dia após dia os mercados financeiros estão numa queda livre, os mercados monetários fecharam com os seus spreads a disparar, e os spreads do crédito estão a furar o teto. Há agora o princípio de uma corrida generalizada sobre o sistema bancário destas economias; um colapso do sistema bancário sombra – isto é, os não-bancos (correctores, prestamistas hipotecários não bancário, SIV e conduits, hedge funds, fundos de mercado monetário, firmas de private equity ) – que, tal como os bancos tomavam emprestado a curto prazo e líquido, estão altamente alavancados e concedem empréstimos a longo prazo e ilíquido e estão portanto em risco de uma corrida sobre os seus passivos a curto prazo; e agora um roll-off dos passivos a curto prazo dos sectores corporativos que pode levar a bancarrotas generalizadas de firmas financeiras e não-financeiras solventes mas ilíquidas.

Do lado económico real, todas as economias avançadas que representam 55% do PIB global (EUA, Eurozona, Reino Unido, outros países europeus mais pequenos, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia) entraram numa recessão mesmo antes dos choques financeiros maciços que, começados no fim do Verão, fizeram o esmagamento da liquidez e do crédito ainda mais virulentos e portanto provocaram uma recessão ainda mais severa do que aquela principiada na Primavera. Temos assim uma severa recessão, uma severa crise financeira e uma severa crise bancária nas economias avançadas.

Não houve desconexão entre economias avançadas e não há desconexão e sim, ao contrário, reconexão das economias de mercado emergentes à severa crise das economias avançadas. No terceiro trimestre deste ano o crescimento económico global estará em território negativo, o que assinala uma recessão global. Inicialmente a reconexão dos mercados emergentes foi limitada aos mercados de acções que caíram ainda mais do que os das economias avançadas quando investidores estrangeiros retiraram-se destes mercados. Mas então isto propagou-se aos mercados de crédito e mercados monetários e mercados de divisas fazendo emergir as vulnerabilidades de muitos sistemas financeiros e sectores corporativos que haviam experimentado booms de crédito e tomado emprestado short e em divisas estrangeiras. Países com grande défice de transacções correntes e/ou grande défice e com grande passivo a curto prazo em divisas estrangeiras e empréstimos tomadas têm sido os mais frágeis. Mas mesmo os que têm melhor desempenho – como os do clube BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China – agora estão em risco de uma aterragem forçada. Os canais do comércio, finanças, divisas e confiança estão agora a levar a uma paragem maciça do crescimento em mercados emergentes com muitos deles agora em risco não só de recessão como também de uma severa crise financeira.

A crise foi provocada pela maior bolha alavancada de activos e de crédito na história da humanidade. Houve alavancamento excessivo e as bolhas não se limitaram à habitação nos EUA mas também à habitação em muitos outros países e à excessiva tomada de empréstimos por instituições financeiras e alguns segmentos do sector corporativo e do sector público em muitas e diferentes economias: uma bolha habitacional, uma bolha hipotecária, uma bolha de acções, uma bolha de títulos, uma bolha de crédito, uma bolha de commodities, uma bolha de private equity, uma bolha de hedge funds, todas elas estão agora a estourar no imediato no maior desalavancamento do sector real e do sector financeiro desde a Grande Depressão.

Neste ponto o comboio da recessão saiu da estação; o comboio da crise financeira e bancária saiu da estação. A ilusão de que a contracção das economias dos EUA e dos países avançados seria curta e superficial – uma recessão de seis meses em feitio de V – foi substituída pela certeza de que isto será uma longa e prolongada recessão em feito de U que pode perdurar pelo menos dois anos nos EUA e na maior parte do resto do mundo. E dado o risco crescente de um colapso financeiro sistémico global a probabilidade de que o resultado possa tornar-se uma recessão em feito de L que perdure uma década – como aquela experimentada pelo Japão após o estouro da sua bolha imobiliária e de acções – não pode ser descartada.

E num mundo em que há uma abundância de bens e excesso de capacidade [de produção] enquanto a procura agregada está a cair, em breve começaremos a preocupar-nos acerca da deflação, deflação da dívida, armadilhas de liquidez e com o que os decisores da política monetária deveria fazer para combater a deflação quando a política de taxas aproxima-se perigosamente do zero.

Neste ponto o risco de um iminente crash do mercado de acções – como o colapso de mais de 20% em um dia nos preços das acções dos EUA em 1987 – não pode ser descartado pois o sistema financeiro está em depressão, o pânico e a falta de confiança em qualquer contraparte está a aumentar agudamente e os investidores perderam totalmente a fé na capacidade de as autoridades políticas controlarem este colapso.

Esta desconexão entre acções políticas e facilitações cada vez mais agressivas e tensões cada vez maiores no mercado financeiro é alarmante. Quando os credores do Bear Stearns foram salvos ao custo considerável de US$30 mil mihões, em Março, a reacção nos mercados de acções, de dinheiro e de crédito perdurou oito semanas; quando em Julho o Tesouro dos EUA anunciou legislação para salvar os gigantes hipotecários Fannie e Freddie a reacção perdurou quatro semanas; quando o resgate real destas firmas de US$200 mil milhões foi efectuado e os seus US$6 milhões de milhões (trillions) de passivo foram assumidos pelo governo dos EUA a reacção perdurou um dia e já no dia seguinte o pânico moveu-se para o colapso do Lehman; quando a AIG foi salva ao custo considerável de US$85 mil milhões o mercado nem mesmo reagiu durante um dia e ao invés disso caiu 5%. A seguir, quando o pacote de resgate de US$700 mil milhões foi aprovado pelo Senado e pela Câmara, os mercados caíram mais 7% em dois dias pois não havia confiança neste plano enviesado e nem nas autoridades. Logo a seguir, quando autoridades nos EUA e no exterior efectuaram acções políticas ainda mais radicais, entre 6 de Outubro e 9 de Outubro (pagamento de juros sobre reservas, duplicação do apoio de liquidez de bancos, extensão do crédito ao sector corporativo capturado [pela crise], garantias de depósitos bancários, planos para recapitalizar bancos, alívio da política monetária coordenada, etc) os mercados de acções e os de crédito e os de moeda caíram mais e mais e a taxas aceleradas dia após dia durante toda a semana incluindo outra queda hoje de 7% nas acções estado-unidenses.

Quando em mercados que estão claramente no caminho da supervenda (oversold) mesmo as mais radicais acções políticas não proporcionam reacções ou alívio aos participantes do mercados você sabe que está a um passo de um crack do mercado e de um colapso sistémico do sector financeiro e do sector corporativo. Um círculo vicioso de desalavancamento, colapsos de activos, margin calls, quedas em cascata nos preços dos activos poço abaixo a queda é fundamental e o pânico está a caminho.

Neste ponto danos severos estão feito e ninguém pode descartar um colapso sistémico e uma depressão global . Será preciso uma mudança significativa na liderança da política económica e acções muito radicais e coordenadas entre todas as economias de mercado avançadas e emergentes para evitar este desastre económico e financeiro. Acções urgentes e imediatas que precisam ser feitas globalmente (com algumas variantes entre países conforme a severidade do problema e os recursos totais disponíveis) incluem:

- outra rodada rápida de cortes na política de taxas da ordem de pelo menos 150 pontos base na média global;

- uma garantia alvo temporária de todos os depósitos enquanto é feita uma triagem entre instituições financeiras insolventes que precisam ser encerradas e instituições perturbadas mas solventes que precisam ser parcialmente nacionalizadas com injecções de capital público;

- uma redução rápida do fardo da dívida de proprietários insolventes de casas antecedida por um congelamento temporário de todos os arrestos;

- provisão de liquidez maciça e ilimitada a instituições financeiras solventes;

- provisão publica de crédito às partes solventes do sector corporativo para evitar uma crise de refinanciamento da dívida a curto prazo para corporações solventes mas ilíquidas e para pequenos negócios;

- pacotes maciços e directos de estímulo fiscal do governo que incluam trabalhos públicos, despesas com infraestrutura, benefícios a desempregados, abatimentos fiscais para proprietários de habitações com rendimentos mais baixos e provisão de garantias para governos estaduais e locais atados e esmagados.

- uma resolução rápida dos problemas bancários via triagem, recapitalização pública de instituições financeiras e redução do fardo da dívida de famílias aflita e mutuários;

- um acordo entre países prestamistas e países credores respeitante a excedentes de transacções correntes e entre países prestatários e países devedores respeitantes a défices de transacções correntes para manter um ordenamento do financiamento de défices e uma reciclagem dos excedentes dos credores a fim de evitar um ajustamento desordenado de tais desequilíbrios.

Neste ponto qualquer coisa aquém destas acções radicais e coordenadas pode levar a um crash de mercado, a um colapso financeiro sistémico global e a uma depressão global . Neste cenário, bancos centrais que habitualmente são supostos serem os "prestamistas de último recurso" precisam tornar-se os "prestamistas de primeiro e único recurso" pois, sob condições de pânico e perda total de confiança, ninguém no sector privado está a emprestar a ninguém uma vez que o risco da contraparte é extremo. E autoridades fiscais que habitualmente gastadoras e seguradoras de último recurso precisam temporariamente tornar-se gastadoras e seguradoras de primeiro recurso. Os custos fiscais destas acções serão grandes mas os custos económicos e fiscais da inacção seriam de magnitude muito maior e mais severa. Portanto, o tempo de actuar é agora quando todos os responsáveis políticos do mundo estão reunidos neste fim de semana em Washington nas assembleias anuais do FMI e do Banco Mundial.

Actualização quinta-feira dia 9 à meia noite: Poucas horas depois de ter escrito esta nota o crash de que adverti começou na Ásia: o índice Nikkei no Japão caiu 11% e todos os outros mercados asiáticos estão a cair drasticamente. Isto reforça a urgência de acções políticas críveis e rápidas dos responsáveis financeiros do G7 que estão a reunir-se dentro de poucas horas em Washington e a necessidade de envolver também em tal coordenação política global as economias de mercado emergentes, sistemicamente importantes.
Outubro/2008
Nouriel Roubini* Professor da Universidade de Nova York.



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